sábado, 21 de janeiro de 2012

Entrevista Prof:Aziz Ab' Saber - Foram fazer a revisão do Código Florestal e eu critiquei profundamente.


Nosso primeiro entrevistado do ano é um dos brasileiros mais ilustres: Aziz Ab’Sáber.  



Nascido em 1924, professor, geógrafo e grande ambientalista, fez pesquisas e trabalho de campo em praticamente todo o território brasileiro, observando de perto a destruição das últimas décadas das matas e ecossis-temas. Sua luta em defesa da natureza teve início em São Paulo, com a mobilização em prol da Mata Atlântica e se estendeu por todo o país. 

foto: area da casa do prof. Ab'Saber


Conversar com Aziz Ab’Sáber é uma oportunidade.

É poder viajar no tempo-espaço. Com sua impressionante memória, as respostas são dadas através de histórias detalhadas, com citações precisas das pessoas, datas e, evidentemente, suas localizações.

Mais que o maior geógrafo brasileiro, Aziz Ab’Sáber é um homem extremamente culto, humanista inquieto, observador inteligente e com simplicidade nos mostra que o poder do saber é um processo múltiplo, que se faz no diálogo entre vários campos do conhecimento.

Ano passado ganhou o Prêmio Juca Pato como Intelectual do Ano.

Com muita simpatia, e a delicadeza de um grande homem, nos recebeu em sua residência aqui na Granja para um bate-papo.

JDA: O Sr. mora na Granja Viana há muitos anos?

Moro na Granja Viana desde 1972. Sempre morei aqui. Minha residência era uma chacrinha... Hoje com o enorme imobiliarismo que está existindo aqui, a coisa está ficando tétrica. Isso é a primeira coisa que queria falar. O imobiliarismo  exagerado que está existindo e que representa muito mais o neocapitalismo do que a cultura. Problemas de cultura não estão em jogo, o que está em jogo é que cada prefeitura pretende ganhar mais impostos com mais casas e sobretudo as maiores. E isso em Cotia está chegando ao exagero total. Quanto mais prédios altos, mais escritórios, mais imobiliarismo, mais importância econômica para Cotia, por causa dos impostos. Isso é terrível! Eu acho que não podia ser assim. Os arquitetos e urbanistas fazem os projetos mas não levam em conta o que vai acontecer com as ruas e com o trânsito. Aqui  ficou o caos. Um pólo de desenvolvimento arquitetônico e economista mas não se preocuparam de maneira nenhuma com os acessos das pessoas que sempre estiveram aqui.

JDA: E não é por falta de cobrança. O trânsito: há  pelo menos três anos fazemos matérias questionando o Poder Público sobre a estrutura, o cruzamento da José Félix com a São Camilo por exemplo, e eles dizem que estão fazendo estudos com especialistas de São Paulo...

Que nada! Tem especialista aqui mesmo na Granja Viana e eles não consultam de jeito  nenhum.  Não houve nenhuma consulta a pessoas que entedem de urbanismo sub periférico na cidade da Grande SP. E você veja, qualquer dia a prefeitura de Cotia vai ter um problema muito sério. A Granja vai crescer tanto que vão acabar separando-a de Cotia.

JDA: Como o Sr. escolheu a profissão? Como surgiu o interesse pela geografia?

Eu nasci em São Luis do Paraitinga. Meu pai era libanês e minha mãe brasileira, simples de primeiras letras. Meu pai resolveu mudar para Caçapava porque em São Luis não tinha muita possibilidade de educar os filhos. E nesse período surgiu a USP tal como ela é hoje. E para Caçapava, no período em que eu fazia o colégio, foram alguns professores formados na USP e me influenciaram profundamente. Um deles me influenciou muito no estudo de história e geografia. Quando me formei no colégio, vim fazer o vestibular para a faculdade de Filosofia e então eu comecei a carreira de história e geografia. Eu sempre gostei de paisagem, desde menino. Às vezes as pessoas viajavam dentro de um ônibus conversando, falando de suas coisas e eu atento para a paisagem.

JDA: Quando o Sr. entrou na universidade? Como era a USP nessa época?

Entrei na USP em 1940. Naquele tempo existiam professores muito bem preparados, vindos de diversas regiões. O alunado era pequenino mas extremamente dedicado ao estudo. E a gente fazia uma intermediação da universidade à biblioteca. Eu me lembro do meu colega de turma Florestan Fernandes. Nós ficávamos estudando durante toda a semana na universidade e nos finais de semana íamos para a Biblioteca Mario de Andrade. Foi um período em que se estudava demais.

JDA: O Sr. fala com indignação dos acontecimentos, da corrupção política...

A corrupção em Brasília é algo que nos deixa  desesperados ao ponto da gente não gostar daqueles que são necessários para governar o país, que são os políticos. A corrupção é tolerada como sendo necessária, politicamente falando, e isso me causa muita indignação.

JDA:  E essa indignação das pessoas também se dá na questão ambientalista, tudo o que vem acontecendo e também a falta de comprometimento do Poder Público em relação a essas questões ambientais... O que se pode fazer?

A coisa mais complicada é que os ideais culturais desapareceram em função do eleitoralismo e da necessidade de chegar até os altos cargos de governo. Eu pessoalmente, que me dedico muito ao ambiente natural, cultural e social, fico numa situação dolorosa. Por exemplo, quando fui conselheiro e presidente da Condephaat (Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico) fiz tudo para proteger as pequenas serras dos entornos  de SP e então surgem pessoas que não tem preparo. Foram fazer a revisão do Código Florestal e eu critiquei profundamente. O mais dramático do governo Lula e do governo atual é que ninguém quer aprender. É preciso defender, mais do que as florestas apenas, embora sejam elas as coisas mais importantes de um país tropical, mas tem que levar em conta o Nordeste seco, os domínios do Serrado, o  Planalto das Araucárias, etc. Enviei uma carta para Brasília e a pessoa que recebeu, um deputado, leu e respondeu que as ideias eram boas mas muito radicais. Depois da revisão do Código Florestal pelo Aldo Rebelo, eu voltei a tratar do assunto e um dos trabalhos fundamentais que escrevi, mas ainda não publiquei, chama-se “Do Código Florestal para o Código da Biodiversidade”. E eu tenho moral para falar disso pois trabalhei em todas as áreas! Sou daqueles que pensam que as universidades deveriam aprimorar os estudos sobre as ações humanas, sobre as heranças da natureza e a rápida devastação.

JDA: Sustentabilidade virou o termo da vez. Mas até que ponto as pessoas estão conscientes de que a postura delas, a maneira de se viver, o consumismo, é que deve ser repensado para haver menos impacto no meio ambiente?

Essa questão da sustentabilidade é uma palavra genérica que não tem valor nenhum. E todo mundo se apoderou dela. Os governos também se apoderam do termo, economia verde, não sei que lá verde... É só rótulo! Infelizmente a ordem de grandeza desses problemas que dizem respeito ao futuro do planeta Terra, não tem sido trabalhada com muito realismo e consciência científica e cultural.

JDA: O Sr. tem alguma mensagem para esse novo ano?

Queria deixar uma mensagem para os governantes. É preciso cuidar de maneira mais permanente da Amazônia, manter os processos de preservação do Brasil Tropical Atlântico, Serra do Mar, evitar que as pessoas do litoral subam pela Serra, evitar a venda de terrenos nessa área, sobretudo os terrenos muito inclinados e evitar o imobiliarismo exagerado, sem levar em conta a estrutura urbana prévia, como é o caso aqui da Granja. Evitar o aumento desproporcional e contínuo das regiões metropolitanas para as grandes áreas dos seus arredores. Ter uma noção clara do que seja a aldeia global regional e combater os corruptos de um modo consistente e exato a fim de que não haja deterioração da democracia e da socialização correta do país.



fonte:jornal daqui

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