sexta-feira, 2 de março de 2012

'Proteção à mata é adiada como foi abolição'


Atraso em tomar decisões custou a desigualdade que o País enfrenta até hoje, afirma o economista Carlos Eduardo Young, da UFRJ


Giovana Girardi, O Estado de S.Paulo
Acostumado a fazer a análise econômica de questões ligadas à preservação ambiental, o economista Carlos Eduardo Young, da UFRJ, não pensa duas vezes para dizer que, se o País não investir agora em formas de aumentar a proteção e a recuperação de vegetação natural, os custos para reverter os danos no futuro serão altos demais.
Controle. Pagamento por serviços ambientais só funciona com fiscalização, afirma Young - Arquivo pessoal
Arquivo pessoal
Controle. Pagamento por serviços ambientais só funciona com fiscalização, afirma Young
Ele se refere aos impactos que a mudança no Código Florestal pode trazer ao flexibilizar a proteção à Reserva Legal e às Áreas de Proteção Permanente e diminuir a obrigação de restauração do que foi desmatado ilegalmente. Para ele, a alternativa apontada no texto que saiu do Senado para a Câmara, de criar incentivos financeiros para ajudar na preservação, como o Pagamento por Serviços Ambientais (PSA), pode ser um desperdício de uma boa ideia. Ele explica as razões na entrevista a seguir.

Por que a inclusão do PSA seria uma boa ideia e por que foi um desperdício a forma como foi colocada?
É uma boa ideia porque é uma forma bastante moderna e inteligente de colocar uma solução econômica para um problema que é de origem econômica. A restrição que existe ao Código Florestal atual não é porque os proprietários rurais são do mal ou porque os ambientalistas são doidos. É um problema que a gente chama em economia de custos de oportunidades da terra: o que se poderia fazer se a mata não fosse preservada. A conta que os caras fazem é: quanta soja, quanto boi eu poderia ter. O argumento da bancada ruralista é que não temos condição de bancar isso. É interessante a ideia de que, se existe um serviço, é possível receber por seu préstimo, mas a ideia que tem se passado é que eles só têm a receber. Só que um dos maiores beneficiários da conservação é o próprio setor agrícola. Principalmente sob o aspecto dos recursos hídricos. É um setor muito sensível ao problema da escassez. O grande barato seria ter o próprio setor agrícola pagando a si mesmo. Mas eles querem que o resto da sociedade pague. Só que já existem vários mecanismos de proteção econômica ao setor, sendo o mais importante deles o crédito agrícola. Quando se fala em pagamento por serviço ambiental, todo mundo é a favor. Só que isso pressupõe que alguém pague. Mas se ninguém pagar, ninguém vai receber.

Por que é preciso pagar?
Vamos pegar o exemplo da conta de luz. Uma parcela significativa das favelas no Rio de Janeiro não paga a conta. Isso é rebatido na de quem paga, para arcar com isso. A ideia dos pagamentos por serviços ambientais é a mesma coisa. Vai chegar um momento em que a crise do serviço ambiental pode chegar a tal volume que terão de encontrar uma solução. A forma mais eficiente de fazer isso é induzindo a conservação florestal em áreas onde o custo da terra seja mais barato e concentrando a atividade agrícola onde ela é mais produtiva, desde que a qualidade ambiental entre elas seja equivalente. Áreas de baixo custo não são de baixo interesse. Basicamente são as APPs, com declividade, áreas de pântano. Não tem muito o que fazer ali, mas tem potencial do ponto de vista ecológico. Só que é preciso ter incentivos para proteger essas áreas. O que não dá é para querer garantir ao mesmo tempo ocupação nas áreas de alta e de baixa produtividade.

Há dinheiro para bancar isso?
O equívoco é supor que o Estado vai bancar, quando o Estado é a sociedade, que já tem uma carga fiscal muito alta. O problema é que estamos numa situação de aquecimento global e de mudanças climáticas que podem trazer uma série de transtornos. Isso vai causar problema à própria atividade agrícola.

Mas, ao pôr esse mecanismo no Código Florestal, dando incentivo para o produtor manter Reserva Legal e APP, não é o mesmo que pagar para ele cumprir a lei? 
Sim, mas não existem incentivos fiscais para uma série de setores simplesmente cumprirem a lei? Eu não vou entrar na questão do mérito da ética porque cumprir a lei é um argumento temporário - porque a lei muda. É exatamente o que estão fazendo agora: mudando a lei. O que é importante é que existe um problema concreto: qual é a maneira mais rápida de resolver o problema? O que acontece é que não se tem cumprido a lei a um custo alto para a sociedade. Pior é usar dinheiro de imposto pago pela população para financiar com crédito rural produtor que desmata ilegalmente.

É a comprovação de que só a fiscalização não tem dado certo?
Outro erro é achar que o PSA poderia substituir os mecanismos de comando e controle. Pelo contrário. O sistema só funcionará se existir um órgão de controle de gestão florestal eficiente que seja capaz de fazer cumprir a regra. Porque um sistema de PSA pressupõe que alguém vai pagar pelo serviço. Vai pagar quem está em déficit. E esse deficitário só vai pagar se for forçado. É o problema do mercado de carbono. A razão de sua existência é a obrigação imposta por um Estado de se cumprir uma meta. Mas se quem não cumpre não for penalizado, não funciona. O problema é que se o código excessivamente permitir flexibilizações e descaracterizar o poder de controle, por que alguém vai querer comprar?

Qual o impacto para o futuro?
Em termos de longo prazo temos de pensar em dois cenários possíveis. Ou os ruralistas estão certos e há um exagero por parte dos ambientalistas nos problemas que podem ser causados por causa do desmatamento - se for assim, eu e os demais vamos ficar condenados pela história por estarmos errados. Mas, se os serviços ambientais são de fato relevantes e a escassez desses serviços num mundo de mudança climática vai deixar tudo mais problemático, isso em alguma hora vai explodir. E, ao acontecer, será necessário tomar medidas mais drásticas. A premissa é a de que existe uma crise que vai se agravar no futuro.

Já há cálculos assim para o desmatamento?
Estudos feitos no Pará e em Mato Grosso pelo meu grupo mostram que em grandes áreas onde houve desmatamento para a expansão da pecuária e da soja, o custo social causado pelo desmatamento - medido apenas pelo carbono emitido com a queima da floresta - supera os ganhos que os agricultores tiveram com a expansão da fronteira agrícola. Mas como esses custos não foram internalizados, ou seja, os proprietários rurais não pagaram essa conta, deixando a pendura para todo o planeta, argumentam que foi um negócio lucrativo. Claro, para eles, privadamente, mas não para a sociedade. Esse problema é muito mais acentuado na expansão da pecuária extensiva, com baixíssima produtividade, em termos de animal por hectare queimado, mas que é responsável pela grande maioria dos desmatamentos. A soja é muito mais produtiva e por isso gera mais valor por hectare ocupado - seu principal efeito é indireto: ao elevar o preço da terra, induzem a venda ou arrendamento de pastagens, e os rebanhos se movem para novas pastagens, ou seja, áreas de floresta recém-queimadas.

Mas então você acha que não vai acontecer?

Em algum momento isso terá de acontecer, mas o problema é o setor rural querer manter um status de ocupação como se o mundo não tivesse mudado. É o mesmo argumento que eles tinham contra a abolição - que ia quebrar a agricultura. As primeiras propostas de abolição incluíam na discussão que os proprietários deveriam ser compensados. A Lei do Ventre Livre previa indenização ao dono. Estão protelando a questão ambiental como protelaram a escravidão. Mas tiveram de abolir, só que com 50 anos de atraso. E isso custou a desigualdade que o País enfrenta até hoje.

** Carlos Eduardo Young é professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), é coordenador do Grupo de Economia do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Gema) da universidade, onde realiza pesquisas sobre os custos de danos causados ao ambiente.

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