Desconstruindo a Divisão 3
Continuamos, hoje, a observar unidades territoriais federadas de
grande dimensão territorial, com problemas e situações econômicas e sociais
próximas às do Pará. Hoje veremos duas outras entidades sub-nacionais similares,
o Québec, no Canadá, e a Mongólia Interior, na China.
Québec, no
Canadá
Outro exemplo de espaço similar, importante de ser comparado ao Pará,
é a província canadense do Québec, semelhante a nosso estado em área e
população: 1,36 milhão de km2 e 8 milhões de habitantes. E também muito
semelhante em sua dimensão econômica, pois algumas das principais atividades
locais são a mineração, a indústria madeireira e a agroindústria.
O Québec possui um projeto de desenvolvimento regional extremamente
bem articulado: o Governo Provincial soube tomar proveito das diferentes regiões
da província, fazendo com que as atividades de uma apoiassem as atividades de
outra e levando o desenvolvimento. Porém, nem sempre foi assim. Província de
cultura francófona numa colônia britânica, o Québec muitas vezes se viu
prejudicado em seu papel federativo. Fortes fatores políticos e econômicos
fizeram com que não recebesse a mesma atenção que outras províncias, sobretudo a
de Ontário, sua vizinha, que contou com fortes investimentos federais e
privados, aos longo de décadas, para deslocar para lá o centro econômico do
país, antes localizado em Montréal.
No final dos anos 1960, porém, procurando se motivar pela chegada ao
governo canadense de um francófono muito respeitado em todo o país, Pierre
Trudeau – Primeiro Ministro entre 1968 e 1984, com uma única interrupção, de um
ano, em 1979 –, a província do Québec partiu para o ataque: conseguiu articular
um plano provincial de desenvolvimento de grande envergadura. A motivação era,
justamente, encontrar, na diversidade cultural local, um fator de polarização em
relação ao Estado nacional canadense. Isso permitiu a unificação dos habitantes
da província e sua coesão em trono de seu “projeto nacional”.
Os passos iniciais foram a verticalização produtiva do ciclo da
mineração, a renovação do parque industrial e a modernização dos portos
provinciais, sobretudo o de Montréal, para permitir o escoamento dessa produção.
Esse processo teve ainda, como instrumentos de catalização, a preparação de
Montréal para abrigar a exposição universal de 1967 e os Jogos Olímpicos de
1976. Esse projeto regional atravessou diversas etapas, sempre se renovando,
conforme o cenário geopolítico nacional e internacional.
Assim, por exemplo, ao longo dos anos 1990 se criou condições para
uma forte industrialização das regiões ao longo do rio São Lourenço, que
apresentava altos índices de desemprego e um parque industrial precisando de
reconversão por meio da verticalização da cadeia mineral. Com isso, se
beneficiou o minério produzido a oeste da pronvíncia, gerando infra-estrutura e
emprego por lá e produzindo vantagens fiscais e comerciais que beneficiavam
agentes dos dois territórios.
O projeto regional do Québec procura potencializar o desenvolvimento
coeso do território, associando a nova fronteira de mineração, nas regiões de
Abitibi-Témiscamingue e de Sanguenay-Lac-Saint-Jean com a renovação dos pólos
industriais de Montérégie e de Estrie.
A província tem se esforçado para reconverter as regiões de Maurice,
Gaspé e Bas-Saint-Laurent em núcleos de turismo e, por outro lado, para apoiar a
diversificação econômica das regiões de Centre, Laval, Lanaudiere e Outaouais na
oferta de serviços.
A variação geográfica do Quebec é imensa; maior e mais complexa que a
do Pará. E as condições de acessibilidade são, em função do clima, extremamente
mais difíceis. Por lá se encontram ecossistemas de tundra, taiga, clima ártico,
subártico e florestas boreais. Zonas de florestas se sucedem a planícies e
regiões montanhosas. Ademais, o relevo recortado e com muitos pontos
inacessíveis dificulta bastante a navegação de cabotagem.
Nada disso impediu sua governabilidade. Nem mesmo as tensas relações
políticas coloniais, que se sucederam, apos à independência do pais, em novas
práticas de imperialismo interno e em conflitos culturais graves, que se davam
em planos lingüísticos diferentes.
Mesmo com todas essas dificuldades, o Québec soube preservar sua
unidade regional e construir sua força, justamente, a partir dessa unidade. Se
fosse um Estado independente, hoje, o Québec seria a 37a economia
mundial. Uma situação bem diferente da verificada há quarenta anos
apenas.
Nos últimos
dez anos um novo projeto regional – ou melhor, uma nova atualização do velho
projeto regional – passou a fazer toda a diferença: é a economia do
conhecimento. A decisão de aplicar o equivalente a 3% do Produto Interno Bruto
em pesquisa científica. Isso significa quase o dobro do que a União Européia
investe em ciência e tecnologia. E quase o triplo do que o Canadá, como um todo,
investe no mesmo setor.
O resultado é a expansão do setor aeronáutico – que já era um setor
de excelência na província –, das tecnologias de produção de celulose e papel,
das indústrias criativas, da indústria de softwares e das tecnologias de
informação. A chamada “economia do conhecimento já responde por cerca de 30% de
toda a economia da província.
Também merece destaque o avanço na agroindústria. Até os anos 1980
havia uma grande produção agrícola mas pouca industrialização. O setor foi
dinamizado, desde então, por meio da pesquisa tecnológica: a pesquisa financiada
pelo Estado resolveu pequenos entraves locais e se iniciou um poderoso avanço
das indústrias locais de processamento, estocagem e distribuição de alimentos. O
setor responde, hoje, por 8% do PIB do Québec, gerando 19 bilhões de dólares,
anualmente, em volume de negócio e emprego para 487 mil pessoas.
O Québec pode oferecer excelentes lições ao Pará, porque enfrentou
desafios bastante semelhantes aos nossos – e as razões de seu êxito se deveram,
principalmente, à capacidade dos agentes locais de construírem um projeto
político regional, que maximizasse os potenciais naturais existentes
distribuindo o desenvolvimento de forma coesa sobre o território.
Mongólia Interior, na
China
Na China, com área territorial semelhante à do Pará (1,18 milhão de
km2), há a província autônoma da Mongólia Interior. Ainda que tenha uma
população 2,5 superior (24,7 milhões de habitantes), essa província guarda
outras semelhanças interessantes com nosso estado. Antes de tudo, a localização
geográfica descentrada, em relação ao núcleo econômico e político nacional, mas
também a diversidade geográfica, cultural e econômica. São 55 nacionalidades,
com diversos conflitos culturais e étnicos e várias línguas e religiosidades
diferentes. O relevo é recortado por muitos rios – vias principais de
comunicação e de integração regional –, mas o principal elemento é o recorte
regional complexo. Basta olhar num mapa a forma da Mongólia Interior para se
perceber a dificuldade de integrar essa província e de mantê-la unida dentro de
um projeto político e de desenvolvimento comum.
Todas essas dificuldades exigem uma grande capacidade de negociação
por parte do governo local. Ainda mais porque a atividade mineradora, a
principal da província, contribuiu grandemente para o aumento das tensões
sociais. A província possui 25% das reservas minerais da China. São 250 bilhões
de toneladas já comprovadas de minerais e o dobro disso em prospecção. Em
primeiro plano, recursos importantes de carvão e gás, mas também têm sido
encontrados, por lá, muitos depósitos de minérios raros, como berílio, nióbio e
zircônio.
Em função dessas riquezas minerais, a relação dos poderes políticos
locais com o Estado chinês tem sido difícil. A determinação da China de duplicar
a extração de carvão entre 2005 e 2010,
alcançando as 500 milhões de toneladas/ano, com investimentos que nem sempre
foram acompanhados dos necessários investimentos sociais correlatos, produziram
tensões, problemas de infra-estrutura e subemprego.
A população considerava que o Estado chinês, que comanda a extração
mineral, procedia de maneira desrespeitosa e agressiva, tomando decisões
autoritárias e sem gerar contrapartidas. O carvão mineral, como se sabe, tem
sido uma eterna fonte de tensões sociais ao longo da história. A vizinha região
chinesa da Mandchúria que o diga: apesar de sua riqueza cultural e histórica
fabulosa, da vivacidade de seu povo e de seu posicionamento geográfico sensível,
foi uma sociedade também devastada pela economia do carvão. Os mesmos problemas
a Mongólia Interior experimentou, com tensões internas aparentemente insolúveis
e uma baixa generalizada da auto-estima local.
Porém, essas diferenças internas e a crise institucional que ela
gerou, se acomodaram a partir do momento em que foi possível construir um plano
comum, racional e inteligente, de desenvolvimento regional. E base da construção
desse plano comum foi, justamente, a atividade mineradora.
As reivindicações locais eram, basicamente, pela utilização do carvão
produzido pela província no próprio território provincial. Não que não haja um
processo de industrialização em curso, tal como no restante do país. De fato, há
indústrias metalúrgicas, químicas, manufatureiras, energéticas e de alta
tecnologia; porém, o desejo por uma industrialização mais completa, associada a
uma ocupação estratégica do território, estão na raiz das aspirações
locais.
Mesmo na China, Estado centralizador, se tornou possível que os
poderes públicos das unidades territoriais, unidos com o empresariado local e,
sempre, a partir de bons planos de regionalização do desenvolvimento e de
internalização de renda.
Nesse processo, algumas indústrias sediadas na província cresceram e
ganharam espaço no cenário nacional. Dentre elas, pode-se citar a Erdos, a Yili e a Mengniu, que adquiriram grande
reputação e são modelos do desenvolvimento chinês contemporâneo.
Esse planejamento eficaz do desenvolvimento, baseado na integração
regional, permitiu que o PIB da Mongólia Interior crescesse 16,9% entre 2008 e
2010, atingindo, nesse ano, a marca de 1,16 trilhão de yuans (US$ 172,1
bilhões).
O modelo de desenvolvimento utilizado foi similar ao já empreendido
em outras províncias chinesas, notadamente Sichuan e Guangdong: o
estabelecimento de cadeias produtivas cujo núcleo era a tecnologia – associada a
zonas de produção privilegiadas e a projetos de qualificação de
mão-de-obra.
Foi assim que nasceram a Zona de Desenvolvimento Industrial de
Baotou, vinculada ao Parque de Tecnologia de Terras Raras de Baotou; a Zona de
Processamento de Exportação de Hohhot; a Zona de Desenvolvimento Tecnológico de
Hohhot; e a Fronteira de Cooperação Econômica de Erenhot.
Esses espaços decorreram, todos eles, de iniciativas do Governo
Provincial. Foram apoiadas pelo poder central e receberam investimentos do setor
privado, mas se não fosse a iniciativa do Governo Provincial, não teriam
acontecido. O princípio filosófico dessas estruturas de pesquisa e plantas
industriais decorre de um simples cálculo estratégico: identificar os potenciais
econômicos presentes no território (riquezas naturais, mão de obra,
infraestrutura, etc), construir uma pactuação entre Estado, sociedade civil e
empresários em torno do projeto; criar parques de tecnologia que tenham por
objetivo maximizar a valorização das cadeias produtivas locais.
Para concluir, gostaria de observar, ainda, um outro aspecto do
projeto de desenvolvimento territorial dessa província chinesa: o fator
energético. A solução energética também partiu do governo local, que procurou
associar a província à produção de energia limpa, no caso a eólica, numa grande
resposta às criticas internacionais feitas à construção da usina hidrelétrica de
Três Gargantas, pelo Governo central chinês, numa outra região do
país.
Atualmente, a Mongólia Interior gera 5,4 bilhões de Kw em energia
eólica, o equivalente a 30% das energias limpas do país, o que contribui para
atrair investimentos essenciais nos parques produtivos que utilizam essa
energia.
Comentário
O que se deduz dessas
comparações entre o Pará e outras unidades territoriais de tamanho e estrutura
semelhante?
Em primeiro lugar, que a
extensão territorial não é um problema em si mesmo. Se fosse, os outros
territórios observados não teriam conseguido os níveis de desenvolvimento que
alcançaram.
Também se observa que as
dificuldades geradas pela diversidade sub-regional, nessas unidades
territoriais, demandam projetos inteligentes de articulação social e econômica.
É preciso bem mais do que “governos itinerantes”: é preciso projetos de
integração regional e de distribuição do
desenvolvimento.
Enfim, se observa que projetos
como esses exigem uma pactuação social. É preciso que os agentes políticos sejam
agentes racionais e éticos. E que pensem, centralmente, no desenvolvimento
coletivo. É preciso construir um projeto de coesão sociocultural, um projeto de
destino.
O Pará precisa reinventar seu
modelo de gestão. É preciso criar uma fórmula inovadora, tanto para o executivo
como para o legislativo estadual. Os separatistas, no fundo, mais do que a
divisão do estado, reivindicam maior participação nas estruturas de poder. Isso
é mais do que legítimo: é econômica e politicamente necessário.
Nenhum comentário:
Postar um comentário