Governo Dilma reverteu normas e baixou medida provisória que encolheu ou redefiniu limites de áreas de preservação
09 de agosto de 2012 | 17h 07
Paulo Prada - Reuters
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Nacho Doce/Reuters - Depois que
madeireiros se mudaram para a região de Campo Verde, sobraram apenas tocos
dispersos
Ivo Lubrinna vem
extraindo ouro há mais de 30 anos da floresta em Itaituba, no Pará. É uma
atividade notoriamente suja, já que as equipes removem uma camada de solo na
floresta, e ao longo de margens de rio, e usam mercúrio e outros poluentes para
retirar o metal precioso da lama.
Nos últimos anos,
Lubrinna passou a ter um segundo emprego: secretário de Meio Ambiente dessa
cidade de 100 mil habitantes, porta de entrada para o mais antigo parque
nacional e seis reservas naturais na vasta floresta amazônica brasileira. Por
isso, é seu trabalho proteger a área da depredação de madeireiros, caçadores,
posseiros e garimpeiros.
Seu duplo papel divide impecavelmente seu dia de
trabalho: pela manhã, como regulador, à tarde, garimpeiro. "Tenho de ser
bonzinho de manhã", diz Lubrinna, de 64 anos, corpulento, calvo, com a voz
de barítono. "À tarde, eu preciso me defender."
Até recentemente, o evidente conflito de interesses
não teria muita importância nesta fronteira livre de controle dos órgãos legais
e com conflitos frequentemente violentos, motivados por disputa por terra e
recursos. Era tarefa do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos
Naturais (Ibama) policiar a Amazônia do jeito melhor que pudesse.
Mas no ano passado, a presidente Dilma Rousseff
autorizou uma mudança pela qual boa parte da autoridade ambiental foi
transferida da noite para o dia a governos estaduais e municipais.
Dos 168 escritórios regionais que o Ibama possuía
alguns anos atrás, 91 foram fechados, de acordo com funcionários da agência.
Lubrinna diz que agentes do Ibama costumavam multá-lo e a outros mineiros por
violações da lei. Agora, ele lidera uma equipe que inspeciona áreas de
mineração. Até o momento, diz, aplicou poucas multas.
A transferência da inspeção para o controle local é
uma das muitas mudanças adotadas na gestão de Dilma, as quais, em conjunto,
constituem um recuo total na política ambientalista progressista do governo
federal de quase duas décadas.
Nos 19 meses desde a posse de Dilma foram revertidas
normas de longa data que haviam contido o desmatamento e protegido milhões de
quilômetros quadrados de bacias hidrográficas.
Ela baixou uma medida provisória que encolheu ou
redefiniu os limites de sete áreas de preservação ambiental, abrindo caminho
para a construção de barragens para usinas hidrelétricas e outros projetos de
infraestrutura, e para legalizar a posse de terra por fazendeiros e
garimpeiros.
E a presidente reduziu o ritmo até o ponto de quase
estagnação no processo, ininterrupto durante os três governos anteriores, de
preservar terras para parques nacionais, reservas de vida selvagem e outras
"unidades de conservação".
Necessidade econômica
A presidente é clara em seu raciocínio: promover
maior desenvolvimento na região da floresta amazônica, uma área sete vezes o
tamanho da França, é essencial para manter o tipo de crescimento que ao longo
da última década levou 30 milhões de brasileiros a saírem da pobreza e tornou o
país a sexta maior economia do mundo.
O governo pretende construir 21 barragens na
Amazônia até 2012 ao custo de R$ 96 bilhões, o que foi planejado quando Dilma
ainda trabalhava no governo de seu mentor e antecessor, o presidente Luiz
Inácio Lula da Silva. As barragens são necessárias, diz ela, para suprir a
demanda de energia dos consumidores, que aumentam cada vez mais no Brasil.
E o Brasil ainda tem 60 milhões de pessoas vivendo
na pobreza. "Tenho de explicar para as pessoas como é que elas vão comer,
como é que elas vão ter acesso à água e como é que elas vão ter acesso à
energia", disse ela num discurso em abril.
Essa mensagem é bem recebida por boa parte dos
brasileiros. Dilma desfruta da invejável taxa de aprovação de 77%, de acordo
com uma pesquisa divulgada em junho.
Ela recebeu 83% de suas contribuições de
campanha, na eleição de 2010, de corporações, a maioria dos setores de
alimentos, agricultura, construção e engenharia, prestes a se beneficiarem de
uma abertura maior da Amazônia ao desenvolvimento, segundo uma análise de
arquivos eleitorais feita pelo blogueiro e analista de informações José Roberto
de Toledo.
Assessores de Dilma negam quaisquer alegações de um
toma lá dá cá; outros candidatos receberam recursos das mesmas empresas em
proporções semelhantes.
O movimento ambientalista brasileiro, bastante
consolidado, está chocado.
As políticas de Dilma, dizem eles, põem em risco a
maior floresta tropical do mundo, reserva de um oitavo da água doce do planeta,
fonte primária de oxigênio e abrigo de espécies animais e vegetais incontáveis
e ainda não descobertas, assim como dezenas de milhares de índios nativos da região.
O ganho econômico no curto prazo, segundo críticos
de Dilma, não vale o custo potencial a longo prazo para o meio ambiente do
planeta, e também para a economia do Brasil.
"Este é um governo disposto a sacrificar os
recursos de milhares de anos pelo lucro de algumas décadas", disse a
ex-ministra do Meio Ambiente Marina Silva, pioneira do movimento ambientalista
brasileiro.
A corrida pela exploração da região já fez surgir
focos de conflito. O mais conhecido é Belo Monte, um projeto de R$ 26 bilhões
para construir a terceira maior barragem do mundo no Rio Xingu, um tributário
do Rio Amazonas no Pará, onde está localizada Itaituba.
Objeto de intensa cobertura da mídia, ações na
Justiça e oposição de pessoas de projeção internacional, como o cineasta hollywoodiano
James Cameron, Belo Monte ameaça deslocar milhares de índios de suas terras.
E já está atraindo milhares de migrantes para um
posto avançado na selva, em Altamira, que se transformou em uma cidade
repentinamente próspera, onde os preços de alimentos e propriedades mais do que
dobraram no último ano.
No Acre, o Estado mais a oeste no Brasil, a retirada
de agentes do Ibama abriu as portas a investidas e disputas entre madeireiros e
traficantes de drogas provenientes do Peru, ameaçando o parque da Serra do
Divisor, criado uma década atrás.
E no Maranhão, fazendeiros, madeireiros e a
população local com frequência entram em confronto no entorno da Reserva
Biológica do Gurupi. Lá, a extração ilegal de madeira afetou cerca de 70% da
floresta da reserva, um processo que os cientistas dizem estar acelerando a
expansão do clima mais árido no nordeste do país.
A dinâmica posta em marcha pela mudança de política
empreendida por Dilma é amplamente visível dentro e ao redor do Parque Nacional
da Amazônia, uma porção de floresta do tamanho da Jamaica, na margem oeste do
Rio Tapajós.
Foi o primeiro parque nacional na região amazônica
brasileira, criado em 1974 pela ditadura militar para mitigar o impacto de
políticas que haviam estimulado migrantes pobres a se assentar na área.
No fim dos anos 1980, e ao longo da década seguinte,
o parque se beneficiou do momento em que o jovem governo democrático assumiu
uma política ambientalista considerada uma das mais agressivas da época, posta
em prática por agentes federais. Na década passada, o presidente Lula intensificou
o policiamento dos parques, reduzindo o desmatamento ao nível mais baixo já
registrado.
Mas o boom econômico durante o governo Lula teve seu
preço. Enquanto o Brasil se tornava o maior exportador mundial de carne bovina
e de soja, a floresta tropical sucumbia ao corte raso das árvores para a
agricultura. Nas colinas perto de Itaituba, a extração de madeira e a mineração
prosseguiram - uma parte é legal, outra, não.
Para impor a ordem, em 2006 o governo criou uma
zona-tampão de seis reservas em terras próximas, uma área mais de seis vezes o
tamanho do Parque Nacional da Amazônia, na qual a atividade poderia ser
regulada.
Águas agitadas
Quando Maria Lucia Carvalho assumiu o cargo de chefe
do Parque Nacional da Amazônia três anos atrás, ela estava ávida por atrair
mais visitantes e reprimir os abusos. Os agentes do Ibama estavam nas
proximidades para ajudar os funcionários do parque a lidar com os persistentes
caçadores e posseiros. "Eu tinha esperança mesmo", diz ela.
O sentimento não durou muito. No início de 2010, ela
ouviu rumores de que uma das barragens de Dilma seria construída dentro do
parque, nas corredeiras do Tapajós.
Num ponto onde o rio tem largura de três
quilômetros, as corredeiras são renomadas como um habitat de muitas espécies de
peixes exóticos, um ponto-chave de passagem de bagres migratórios e fonte de
água para animais selvagens em risco de extinção, incluindo o jaguar e a
ararajuba.
Alguns meses depois, agentes do parque pegaram
funcionários da companhia estatal de eletricidade realizando pesquisa não
autorizada na área, e os multaram.
Depois que Maria Lucia deu declarações à TV contra o
projeto, ela foi chamada a Brasília pelo chefe do Instituto Chico Mendes de
Conservação da Biodiversidade (ICMBio), órgão federal que administra as
unidades de conservação no país.
"Me disseram que esse é um plano do governo e
que eu sou governo e, portanto, eu não poderia criticar o projeto", diz
ela. O ICMBio não quis fazer comentários sobre o encontro.
Em dezembro do ano passado, Dilma sancionou uma lei
que dá aos Estados e governos municipais autoridade ambiental sobre terras que
não foram licenciadas pela União.
Na visão de Brasília, autoridades locais estão mais
bem posicionadas para garantir que madeireiros, garimpeiros e outros que
extraem recursos da floresta façam isso com as licenças apropriadas em áreas
onde é permitido.
Outros, contudo, dizem que as autoridades locais não
têm os recursos necessários para policiar a Amazônia e são mais suscetíveis à
intimidação e propina. A própria escala faz com que a aplicação da lei seja um
desafio na Amazônia.
Em poucos meses, os agentes florestais do Ibama de
Itaituba partiram, deixando Maria Lucia e os colegas do ICMBio policiando a
área sozinhos, exceto por Lubrinna, o secretário de Meio Ambiente de Itaituba,
que por acaso também é minerador de ouro, e sua pequena equipe.
Lubrinna leva tanto tempo fiscalizando sua equipe de
mineradores quanto dedica a seu cargo municipal, diz. Ele negou repetidos
pedidos de mostrar ao repórter da Reuters sua operação de mineração.
Descreveu-a como uma área de 180 quilômetros quadrados espalhada pelo sudoeste
de Itaituba, a maior parte na floresta nacional.
É difícil obter permissão de mineração na área, diz
ele, e sua autorização não cobre toda a região onde ele opera. "O governo
cria leis que são difíceis de seguir", diz. "A gente precisa ganhar a
vida."
Derrubada de árvores
Dilma recentemente divulgou cifras mostrando que a
taxa de desmatamento na Amazônia caiu para um nível recorde de baixa nos 12
meses encerrados em julho de 2011, o mais recente período anual com dados
disponíveis.
A terra total desflorestada - cerca de 6.400
quilômetros quadrados, praticamente o tamanho do Estado norte-americano do
Delaware - diminuiu 77% em relação a 2004, uma tendência que, segundo
dados preliminares, continuou nos últimos meses.
Críticos dizem que ainda é muito cedo para refletir
o impacto da agenda da presidente. "Os números estão prestes a ir na outra
direção", diz Adriana Ramos, dirigente do Instituto Socioambiental, um
grupo ativista. "Para começar, eles estão alterando a arquitetura das
regulamentações que propiciaram a queda."
O fundamento dessa arquitetura é o "código
florestal" do Brasil, um conjunto de leis inalterado por décadas que
estabelece o percentual e o tipo de terra que agricultores, extrativistas de
madeira e outros devem deixar intactos quando desmatam uma área.
O poderoso lobby agropecuário pressionou
seguidamente por mudanças que no começo deste ano foram aprovadas no Congresso.
Embora Dilma tenha vetado partes da lei que iriam garantir anistia para abusos
cometidos no passado, ela está negociando com os parlamentares alterações que
os ambientalistas temem possam tornar mais fácil extrair madeira de áreas que
até agora estavam fora do alcance dos desmatadores.
Quando um guarda de parque recentemente visitou José
Lopes da Silva, um posseiro na margem leste do Parque Nacional da Amazônia, o
agricultor se queixou de uma multa de cerca de R$ 15 mil que ele recebeu no ano
passado por cortar árvores adjacentes a seu milharal. "Por que eu fui
multado...?", ele perguntou "... se a lei vai mudar?"
"A lei ainda é a lei", respondeu o guarda.
Perto de Campo Verde, uma parada de caminhões 30
quilômetros a sudeste de Itaituba, jipes e picapes em mau estado trafegam pela
estrada durante o dia. Depois do anoitecer, grandes caminhões emergem das rotas
dos madeireiros que atravessam áreas protegidas. Carregados com três troncos
com diâmetro maior do que as rodas dos caminhões, eles se dirigem para oeste,
para as serrarias ao longo do Tapajós.
Com poucos agentes federais na área para patrulhar
as reservas, a destruição fica evidente somente quando a área se torna grande o
suficiente para ser detectada, se um dia sem nuvens permitir, por satélites ou
a cara e custosa vigilância aérea. Além disso, como o governo estadual concede
licenças para os depósitos de madeira, as autoridades federais as inspecionam
agora com menos frequência.
"De que adianta, se não somos mais a máxima
autoridade?", diz um agente federal que pediu para não ser identificado.
A tarefa também é cada vez mais perigosa, já que
proprietários de terras, madeireiros e seus capangas entram em confronto pela
riqueza da floresta.
Em março, homens armados emboscaram agentes
ambientais do governo federal que retornavam de uma fiscalização em um
acampamento ilegal de extração de madeira, em uma reserva natural ao sul de
Itaituba. Os agentes conseguiram se desvencilhar do ataque.
No ano passado, um destacado ambientalista e sua
mulher foram assassinados no Pará, depois que denunciaram exploração ilegal de
madeira perto de sua casa.
O padre João Carlos Portes, de Campo Verde, disse
que recentemente homens armados ameaçaram "pulverizar a paróquia com
balas", depois que ele se recusou a permitir uma missa fúnebre para um
madeireiro e assassino confesso, morto por rivais no negócio.
Portes, que também é o representante local da
Pastoral da Terra, um grupo religioso voltado para a redução da violência,
trabalho escravo e outros abusos no interior do país, diz que as mudanças
recentes na política ambientalista significam que "as coisas somente vão
ficar piores."
Luta fútil
Em janeiro, Dilma anunciou a medida provisória que
reduz parte da área da Amazônia e seis outras reservas para abrir caminho a
represas e legalizar assentamentos ilegais. Mesmo considerando que a decisão
ainda terá de enfrentar questionamentos na Justiça, o Congresso a transformou
em lei em junho.
A barragem da hidrelétrica no Rio Tapajós vai
inundar uma vasta porção de mata, assim como a vila de Pimental, com cerca de 800
pescadores e pequenos agricultores na margem leste do rio, na área da represa.
Os moradores estão revoltados com o governo, que
ainda não deu detalhes sobre a barragem, se eles terão de ser removidos e
compensados ou como se dará todo o processo. "Estamos completamente no
escuro", diz Luiz Matos da Lima, de 53 anos, agricultor e dono de uma
mercearia em Pimental.
Há pouco tempo, alguns deles expulsaram da cidade
pessoas a serviço da empresa de eletricidade e destruíram marcos de concreto
colocados na área.
O Ministério de Minas e Energia afirma que os
detalhes finais do projeto, previsto para ser concluído em 2017, ainda estão em
estudo.
Foi a autorização dada por Dilma à barragem que
tirou o que restava do entusiasmo de Maria Lucia por seu trabalho na chefia do
parque na Amazônia. Recentemente ela pediu transferência, candidatando-se a um
posto em um parque no árido nordeste. "Eles não podem fazer uma barragem
lá", diz ela, "mas, quem sabe, talvez eles façam uma usina
nuclear."
Enquanto isso, em junho, agentes do Ibama no
aeroporto de Belém, no Pará, prenderam um homem que viajava levando um
refrigerador com uma tartaruga amazônica congelada, de 10 quilos, que está sob
risco de extinção.
Os agentes apreenderam a carcaça, multaram o homem
em R$ 5 mil e abriram uma ação criminal contra ele. O viajante que levava a
tartaruga: Ivo Lubrinna.
O secretário de Meio Ambiente de Itaituba disse aos
agentes que a carne da tartaruga seria servida em uma festa para seu filho.
Lubrinna disse que vai recorrer da multa e da acusação criminal.
Ele observa, também, que embora a tartaruga esteja
sob risco de extinção, comê-la é "culturalmente aceitável" na região
amazônica.
A partir
de agora, qualquer propriedade no País, dentro da Amazônia Legal, no cerrado da
Amazônia Legal, que tiver mais de 15% de Área de Preservação Permanente, o que
exceder 15%, o total que exceder 15% de APP poderá ser desmatado na Reserva
Legal. Porque o Senado aprovou a flexibilização para o desmatamento no Brasil (a bancada ruralista
reconhece isso, flexibilizando, se for aprovado esse dispositivo, o
desmatamento em nosso País.)
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