sexta-feira, 13 de agosto de 2010

O preço oculto do desastre

A natureza presta serviços de alto valor para o homem — e o desastre ambiental da BP mostra que já passou da hora de fazer essa conta
Ana Luiza Herzog
Revista Exame – 11/08/2010


Cerca de 20 bilhões de dólares. É esse o valor do fundo que a British Petroleum declarou que irá criar para garantir o pagamento de indenizações às vítimas do vazamento de petróleo no golfo do México. É uma soma de dinheiro razoável considerando-se apenas os prejuízos diretos dos pescadores e dos donos de hotéis que habitam a costa da região. Para muitos, porém, a quantia é desprezível se, na conta do desastre, a petrolífera tivesse de incluir os danos que os milhões de litros de óleo provavelmente provocarão nos ecossistemas, impedindo que eles continuem entregando uma série de benefícios que influenciam a economia.

Os danos à fauna da região já foram documentados. As praias inutilizadas, também. Mas os cientistas estão preocupados com outro tipo de dano, impossível de fotografar. O óleo pode, por exemplo, prejudicar os fitoplânctons, organismos microscópicos que são a base da cadeia alimentar marinha. Menos fitoplânctonsignifica menos peixes potencialmente durante muitos e muitos anos. O petróleo também pode afetar milhares de quilômetros de diferentes tipos de vegetação costeira, como mangues e banhados. Esses ecossistemas nem sempre são convidativos para um passeio, mas a ciência já provou que eles são barreiras naturais contra furacões, umfenômeno frequente na região onde houve o vazamento de petróleo.

A economia nunca atribuiu um preço ao trabalho da natureza, mas fitoplânctons ou vegetações costeiras tambémfazem parte da cadeia de valores de muitos negócios. Eles prestam o que se convencionou chamar de serviço ambiental. O termo não é exatamente novo entre os ambientalistas, mas vem aparecendo com frequência cada vez maior fora do mundo verde — e o escândalo do vazamento no golfo do México ajudou a colocar de novo o assunto em evidência. “O desastre da BP mostrou que a economia não enxerga o valor dos serviços ambientais”, diz o indiano Pavan Sukhdev, economista sênior do Deutsche Bank que hoje, a convite das Nações Unidas, lidera um projeto que tem como meta destrinchar o valor econômico dos ecossistemas e da biodiversidade do planeta. “Está cada vez mais claro que água limpa, oceanos produtivos e solos férteis custam, sim, dinheiro.” Para Sukhdev e muitos outros especialistas, os 20 bilhões de dólares oferecidos pela BP nem sequer começam a cobrir o rombo ambiental causado pelo vazamento.

Segundo estimativas de Robert Costanza, professor de economia ecológica da Universidade de Vermont, nos Estados Unidos, e um dos mais respeitados especialistas no tema, os danos aos ecossistemas da região podem oscilar entre 34 bilhões e 670 bilhões de dólares — uma variação tão extrema que parece indicar que os especialistas estão tão perdidos quanto qualquer um de nós. É verdade que a atribuição de valores aos benefícios da natureza não é uma tarefa simples. Mas, para os defensores da ideia, somente com uma lógica financeira e números reais é que o tema da sustentabilidade será inteiramente compreendido. O primeiro problema é convencer as pessoas — e também as empresas e os governos — de que muitos dos recursos naturais que garantem nossa sobrevivência são finitos. Ninguém é afeito a pagar muito por aquilo que sempre recebeu de graça e que julga existir em abundância. Como então transformar essa ideia em realidade? “Um primeiro passo é definir valores comparáveis aos de produtos e serviços oferecidos pelo mercado”, diz Costanza. A premissa é que sabemos o custo exato de construir e operar uma estação de tratamento de água.

Como alguns ecossistemas podem realizar o mesmo trabalho que a estação, eles deveriam valer, no mínimo, a mesma coisa. Erguer e manter em funcionamento uma estação para tratar toda a água potável consumida na cidade de Nova York custaria cerca de 8 bilhões de dólares. No início da década de 90, porém, a cidade optou por investir na conservação da bacia que abastece a metrópole

A prefeitura passou a comprar terras privadas e a transformá- las em reservas de mata nativa. Ensinou também os produtores locais a cuidar das nascentes de suas propriedades e bancou a melhoria em sistemas de esgoto para ter certeza de que nada vá parar nos rios. Com essas e outras ações, a água vem se mantendo limpa nos ultimo’s 15 anos — a um custo de 1,7 bilhão de dólares. “Em Nova York, a opção foi por cuidar do meio ambiente”, afirma Philip Sweeney, da Environmental Protection Agency, órgão ambiental americano que seria comparável ao Ibama, em Nova York. “Foi um excelente investimento financeiro.”

Em 1997, Robert Constanza, calculou pela primeira vez o preço de toda a biodiversidadedo planeta: 33 trilhões de dólares. Entraram na conta 17 benefícios, como polinização de plantações,regulação climática, oferta de água erecreação. Mas foi só nos últimos anos, graças à preocupação com o impacto econômico das mudanças climáticas, que a ideia começou a ganhar força for a do meio acadêmico. Hoje, a esperança de Costanza e de outros especialistas é que as estimativas para o valor da natureza ajudem a prevenir desastres. Ele defende que as autorizações das empresas para operar em determinada area — por exemplo, no golfo do México — estejam condicionadas à compra de uma espécie de apólice de seguro no valor total dos ecossistemas que elas podem colocar em risco. Com um gasto desse tamanho, argumenta o economista, a empresa em questão tenderia a ser mais rigorosa no investimento e nas verificações de segurança. Mas a precificação dos serviços ambientais não tem de ser necessariamente punitiva. A suíça Syngenta, produtora de sementes e defensivos agrícolas, lançou em meados do ano passado um programa de conservação da biodiversidade para seus clientes europeus.

O motivo é que eles vinham perdendo produtividade nas lavouras devido ao declínio das populações de insetos que as polinizam. Áreas menosprodutivas passaram a abrigar árvores e flores para atrair de volta os insetos. O projeto é fruto de um teste feito na Inglaterra cujos resultados comprovaram o sucesso da prática desenvolvida por agrônomos da empresa e da academia. “Não é que o ser humano não possa fazer manualmente a polinização”, afirma Juan Gonzalez-Valero, chefe de políticas públicas e parcerias da Syngenta. “A questão é que os insetos fazem de graça um trabalho que é muito caro.”

Apesar das tentativas de aproximar o campo da economia ao da ecologia, os próprios entusiastas da tese de valorização dos serviços ambientais admitem que a ciência por trás dos cálculos ainda tem muitas incertezas. Parece factível que o preço pago pelo trabalho de matas seja comparado ao de uma estação de tratamento de água. Bem mais difícil é calcular o valor preciso da regulação climática desempenhada pela floresta Amazônica ou o serviço de proteção dos raios nocivos do sol feita pela camada de ozônio. Com o que eles são comparáveis? “Não há dúvida de que essa ciência precisa evoluir, e rápido, mas isso não é desculpa para não começarmos a testá-la agora”, diz Sukhdev, da ONU. “O que não podemos mais fazer é continuar colocando valor ‘zero’ para a natureza na conta.”

QUANTO VALE A NATUREZA?
Os ecossistemas prestam serviços importantes para a atividade econômica. Um exemplo é o trabalho de polinização feito pelos insetos nas lavouras, cujos impactos foram calculados pela ONU* das culturas agrícolas mais produtivas do mundo são polinizadas por insetos

70% das culturas agrícolas mais produtivas do mundo são polinizadas por insetos
190 bilhões de dólares é o valor anual estimado desse serviço ambiental
15 bilhões de dólares é o prejuízo anual nos EUA com o declínio da população de insetos

*Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente


Fonte: Planeta Sustentavel

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