Alice Melo

O debate em torno do projeto do novo Código Florestal acirrou ainda mais a antiga rivalidade entre ambientalistas e ruralistas Brasil adentro. Enquanto os defensores do meio ambiente protestavam e os empresários do agronegócio aplaudiam, a Câmara dos Deputados aprovava o texto do parlamentar Aldo Rebelo (PC do B/SP), no dia 25 de maio. Para piorar o estado de tensão, no mesmo dia em que o projeto era votado em Brasília, um casal de extrativistas que denunciava o trabalho ilegal de madeireiros era assassinado no Pará, ilustrando o histórico quadro de violência no campo cujo principal ator é a impunidade dos corruptores da floresta.
Neste momento, cabe apenas ao Senado decidir os rumos das matas brasileiras: contestar ou passar o bastão à Presidência da República? Eis a questão. Diante do impasse, a discussão aumenta, assim como as dúvidas: o que diz afinal o projeto do novo código?
Em texto publicado no jornal "O Estado de São Paulo", no dia 8 de junho, Aldo Rebelo explica que “o objetivo central do novo Código Florestal é deixar o agricultor trabalhar em paz e em harmonia com o meio ambiente”, de forma que se possa conciliar preservação e crescimento econômico. O deputado assegura que, com base na nova legislação, é “possível enfrentar a ilegalidade de boa parte da atividade agrícola e da pecuária em razão das restrições impostas, com um mínimo de criatividade, que permita aos estados, dentro das exigências atuais, preservar os porcentuais mínimos de cada bioma, adaptando-se às condições locais, ao modelo de ocupação do território e à estrutura da propriedade da terra”.
A forma com que o projeto tenta realizar essa chamada “harmonia” encontra dura oposição no meio científico e acadênico, principalmente no que diz respeito à mutabilidade das Áreas de Proteção Permanente (APPs) – como topos e encostas de morros e margens de rios – e à suspensão das multas do agricultor que desmatou até julho de 2008 – caso este adira ao Programa de Regularização Ambiental (PRA).
“Ele permite a consolidação da ocupação irregular de encostas, expõe a população que ocupa essas áreas aos riscos, expõe o solo e a água à contaminação", diz Carlos Rittel, coordenador do programa de mudanças climáticas e energia da organização WWF Brasil (http://www.wwf.org.br/). “O Código Florestal precisa sim ser modernizado, mas no sentido de permitir que se cumpra o código e se fiscalize o setor produtivo. A gente não pode perder o objetivo central que é de proteger as nossas florestas. Isso não é um código de desenvolvimento agropecuário, é um código de desenvolvimento sustentável da floresta”, acrescenta.

Madeira ilegal apreendida na Amazônia. Fonte: Agência Brasil/ via Wikipedia
“Reaparecem fantasmagoricamente cenas de uma ‘volta ao passado’ colonial, com comerciantes gananciosos fazendo de uma rica terra recém descoberta um amplo posto de venda. Hoje, presenciamos o agronegócio que devasta as nossas florestas e cerrados e ainda chega, até mesmo, a utilizar trabalho análogo a de escravo. Mas, como antes, falta a estes fazendeiros o próprio ‘sentido de cidadania’”, observa a pesquisadora, que ainda utiliza uma frase do professor José Murilo de Carvalho, conselheiro da RHBN, para ilustrar a situação política no norte do país: “o poder do governo [termina] na porteira das grandes fazendas”.
O assassinato dos líderes extrativistas José Claudio Ribeiro da Silva e Maria do Espírito Santo da Silva, no dia da votação do projeto do novo código é, para a historiadora, um fato simbólico que deve ser visto como uma violação dos direitos do Estado democrático, “é a certeza da impunidade”. “É uma declaração de poder de segmentos que, ao se organizarem em consórcios criminosos para contratação de pistoleiros, emitem claros sinais de que o Estado não tem poder para governá-los. É uma situação que conta com a articulação de uma oligarquia política e seus representantes no Congresso Nacional que, tradicionalmente, tem o domínio da terra, dos homens e das mulheres trabalhadoras”, observa.
Para ela, a solução é a sociedade civil se mobilizar e pressionar o Senado para que o Código seja revisto. “Não podemos naturalizar estes atos bárbaros e jamais pensar que isso ocorre ‘longe de nós’”, e finaliza: “A maquinaria política se esmera a convencer o Brasil, em pleno século XXI, a seguir na contramão do estímulo à vida no planeta Terra”.

O Código Florestal é a legislação que traça as normas de preservação ambiental em propriedades rurais, estipula o que pode ou não ser utilizado por pequenos e grandes agricultores e pessoas ligadas à atividades no campo. O texto do deputado Aldo Rebelo foi aprovado em julho de 2010, mas demorou quase um ano para que a Câmara debatesse seus pontos e aprovasse o projeto final, que está agora sob julgo do Senado Federal. Se aprovado pelo Senado, a norma chega às mãos da Presidência da República, que pode ou não usar o veto para fazê-lo retornar à Câmara para ajustes.
O novo texto prevê que pequenos produtores rurais estejam isentos de recuperar a mata desmatada em até quatro módulos fiscais, o que representa uma área de 40 a cem hectares – dependendo do estado. Isso foi ponto de discórdia tanto na Câmara, quanto para ambientalistas, assim como a passagem que se refere à Área de Proteção Permanente.
Neste ponto, o novo texto consolida algumas plantações em APPs, como o café e a laranja, sem necessidade de recompor a natureza desmatada. Além disso, deixa à cargo dos estados a definição do que pode ou não ser cultivado nestas áreas. O governo é contra a descentralização da regulamentação.
Outro ponto de discórdia é o que se refere à anistia a quem desmatou até julho de 2008. O texto-base de Rebelo prevê a suspensão das multas ao produtor que se inscrever no Programa de Regularização Ambiental, o qual traça novas ações de preservação dentro da nova norma. Se o agricultor não seguir o PRA à risca, precisará pagar as multas anistiadas no primeiro momento. O governo é contra, assim como os ambientalistas. Estes últimos alegam que isto poderá fazer com que o desmatamento seja estimulado ainda mais diante do reforço da impunidade.
Aqui, a íntegra do texto de Aldo Rebelo sobre o novo Código Florestal.
No portal da Câmara dos Deputados, um infográfico ilustra as mudanças do Código.
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